A oposição

A oposição
Porque há o direito ao grito. Então eu grito. (Clarice Lispector)

terça-feira, 28 de abril de 2009

Mãos Dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.


(Carlos Drummond de Andrade)

domingo, 26 de abril de 2009

Entrevistando um professor

Quem se importa?
Eles estão mesmo por todos os lados...


Entrevistador: - Afinal de contas, o que vc pode me dizer de novo sobre eles?

Professor: - Ontem um deles me abordou na rua...

Entrevistador: - E o que ele queria com o senhor

Professor: - Parecia preocupado, e me pediu oração...

Entrevistador: - O que o senhor respondeu?

Professor: - Eu disse que iria orar por ele, ele era um jovem envolvido com o tráfico que estava preocupado.

Entrevistador: - E qual era a sua preocupação?

Professor: - Ele estava pra morrer...

Entrevistador: - E como o senhor se sentiu ante a afirmação?

Professor: - Aquilo foi como uma facada em meu coração

Entrevistador: - Eu, compreendo, a que se deve isso?

Professor: - O mal está arraigado na família deles...

Entrevistador: - E qual o seu maior problema com isso?

Professor: - Que eu não posso chegar até essa família...

Entrevistador: - E qual a sua realidade?

Professor: - eu me deparo com situações nas quais os alunos não tem nem educação doméstica, enquanto que numa aula de 50 minutos eu tento pôr algo de bom na cabeça deles, o resto do dia eles recebem coisas más. 50 minutos é muito pouco pra fazer com que eles vivam uma convivência social de dignidade, e olhe lá, porque há dias que é impossível falar alguma coisa...
Você deveria contemplar o meu descontentamento e tristeza quando eu coloco um aluno pra fora, eu coloco, mas morrendo de pena.

Entrevistador: - E por que você o faz?

Cidadão: - É o jeito, se não eu não vou conseguir fazer nada com os outros.
Pronto, já chega. Eu vou embora, tenho que estudar...
Vou me organizar para amanhã

E aos que não terão mais amanhã? As nossas condolências, pois no final das contas, o sol sempre nasce e temos que continuar.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

O abismo

"Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti."
(Friedrich Nietzshce)

A preguiça

"A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda."
(Mário Quintana)

Noite em claro?

"Satânico é meu pensamento a teu respeito, e ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão, numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem. A noite era quente e calma, e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te aproximaste. Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu, sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença, aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos. Até nos mais íntimos lugares. Eu adormeci. Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão. Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite. Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama, te esperar. Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força. Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos. Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo. Só assim, livrar-me-ei de ti, pernilongo Filho da Puta!!!!"
(Carlos Drumond)

Cortar o tempo

Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente
(Carlos Drumond)

domingo, 19 de abril de 2009

PROPRIEDADE PRIVADA


É minha, e ninguém tasca!
Ora, consegui com tanto suor,
Qual o problema se o suor não foi do meu rosto?
O fato é que é minha!
Meus bens, bens de minha propriedade.
Estão ao meu dispor para eu usufruir deles como bem entender!
O que eu posso dizer?
Minha propriedade!
Minha, privada!

Aos que virão depois de nós

"Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de
estupidez, uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não
recebeu a terrível notícia."
(Bertolt Brecht)

Versos Íntimos

"Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!"

(Augusto dos Anjos)

Homenagem

De certo, a coragem habita nos corações dos desesperados, pois sem desespero não há atitude corajosa, nem tão pouco reverberações sobre a covardia, o desespero, meus caros, é a roda de ignição que movimenta a vida, sem desespero, não há absolutamente nada. Por isso sou desesperada, vocês aceitariam se desesperar comigo?

sábado, 11 de abril de 2009

Parasitas

Cheguei em casa, era tarde, meus móveis e meus livros permaneceram estagnados em meio ao mundo de papéis, palavras, bebida e insinuações perniciosas. Olhei no canto da parede e vi uma dúzia de vermes tentando se movimentar em meio ao caos de papéis e lixo, pobres criaturas, provavelmente regogitadas de algum animal um pouco menos asqueroso, que obviamente não era acéfalo como elas, mas que comia as próprias fezes, já que aquilo era tão típico no meu mais recente lar. Diante da minha iminente compaixão decidi, eu só tive uma alternativa, peguei-as com as minhas mãos, mãos com as quais no dia anterior eu atirei pedras nas mesmas, segurei-as com carinho, eram mesmo asquerosas, como escorregavam, levei-as a minha boca, senti o amargor engolindo-as gentilmente para que elas não se ferissem, para que elas vivessem no meu organismo, se alimentassem do meu sangue, e, como eu, vivessem do meu suor, talvez a eles não bastem à ilusória hipocrisia com a qual nos definiram. Parasitas.

A máscara do mal

"Em minha parede há uma escultura de madeira japonesa
Máscara de um demônio mau, coberta de esmalte dourado.
Compreensivo observo as veias dilatadas da fronte, indicando
Como é cansativo ser mal."
(Bertolt Brecht)

A Exceção e a Regra

"Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso
Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra."
(Bertolt Brecht)